Das cartas de Nathaniel

Para entender as cartas leia o conto "As cartas do monge sem nome" clicando aqui.
As cartas 1, 5, 11, 15, 22 e 23 aparecem no conto, as outras eu decidi escrever depois.
Algumas cartas ainda não foram escritas.


Carta #1

S. 


Escrevo de um mosteiro onde trabalho e vivo, com gosto, mas a cada noite enquanto me deito no meu leito escuro são lembranças suas que me vêm a cabeça, memórias perdidas no tempo que eu tento esquecer. Sinto o toque quente de suas mãos deslizando pelo meu corpo e me trazendo arrepios. Minha boca pede seu gosto doce e proibido. Meus braços pedem seu corpo macio... mas eu não posso me deleitar em minhas lembranças, elas pecam contra tudo o que tenho vivido aqui, elas renegam os votos que assumi, elas cospem na minha cara as verdades que eu escondi. Tenho que te esquecer, tenho que te matar dentro de mim, mas para fazer isso tenho que matar meu coração insano que suplica por seu amor. Te quero, mas não posso te ter.


N.

Carta #2

S.


Tentei de manter longe de meus pensamentos, mas cada gesto meu me lembra você, minhas mãos sentem falta de tocar-te, meus lábios clamam pelos seus e meu corpo urra de desejos de ter você. Eu não consigo me distanciar de ti, dentro de minha mente, minhas memórias marcham até sua presença, elas controlam tudo o que eu quero esquecer e contrário à minha vontade, trazem à tona as lembranças mais cálidas dos momentos mais ardentes de nós dois.
Minha visão não esquece de como é contemplar a beleza pura de sua silhueta, meu tato afiado se deleita em toques que já se foram, meus ouvidos afugentam fragmentos de palavras soltas, esperando ouvir teu nome ou algo que te traga para mais perto, meu olfato busca em cada brisa o teu perfume incomparável e meu paladar, ainda que prove todos os sabores desse mundo, jamais se esquecerá do teu gosto provocante. Mais um sentido de prudência mais poderoso brande uma espada desafiando os outros a te deixarem partir e assim meus devaneios se dissolvem mais uma vez durante a luz do dia, mas toda minha sede de você desperta na calada da noite.
Mesmo que eu nunca mais sinta teu corpo contra o meu, as marcas que me impregnaste jamais se desvanecerão.


N.

Carta #3


S.


Meus pesadelos mais perturbadores são meus devaneios que insistem em buscar sua presença escondida em minha mente profana. Por um lado tento enterrar as memórias que você está, mas por outro lado saboto a mim mesmo e crio uma cova rasa ao qual sujarei minhas mãos ao te arrancar de lá. Meus pensamentos se libertam facilmente das correntes que os prendem e voa para os lugares em que estivemos. 
Suas palavras doces e ardentes ao mesmo tempo ecoam pelo ar em lembranças vívidas que deveriam ser apagadas. Eu perco o controle de mim mesmo, luto e perco a batalha que é manter-te fora da cabeça. Duelo com meu próprio peito para que ele te expulse, mas fracasso a cada tentativa. Livrar minha vida de ter você dentro de mim é o mesmo que arrancar meu coração e despedaçá-lo. 
Então eu sucumbo nas memórias, afogo-me nas lembranças mais tórridas que me trazem calafrios e deixo você tomar conta de meu ser mais uma vez, somente para me arrepender mais tarde, mas esse é um preço que eu pago com vontade. Prefiro me arrepender de te manter em segredo em meus pensamentos, do que arrancar sua essência impura que se prende em cada centímetro de meu corpo. Talvez um dia isso passe, mas enquanto esse dia não vem, que o fogo que um dia existiu entre nós, queime meu pudor doentio e me apeteça no silêncio da noite. 


N.

Carta #4

S.


Por tudo o que passamos eu simplesmente não posso me prender ao desapego e deixar todas as lembranças desvanecerem no ar, porém, manter essa chama de vontade de você me consumirá completamente e destruirá a tentativa de permanecer puro diante de minhas novas concepções. 
Às vezes não há um limite que separa aquilo que é bom daquilo que é nocivo, eu me recuso a encontrar defeitos onde só existe perfeição, assim como impeço minha mente e meu coração de arrancarem você de mim. Eu não estou pronto para livrar-me dessa perdição insana que suas lembranças invocam, o pecado ainda está nitidamente pregado em minha pele e enquanto pensar em ti me der forças para continuar, eu serei impuro e impróprio para este lugar sagrado. 
Meus suplícios contraditórios a minha verdadeira vontade imploram que você se retire de meus pensamentos e me proporcione a liberdade tão desejada, mas meus desejos mais secretos são mais fortes e sabotam qualquer tentativa de abrir mão de sua presença constante em minhas memórias imorais e me afundam cada vez mais no mar de culpa que rapidamente me afoga. 


N.

Carta #5

S.


Tenho a sensação de ser um vazio, sem teu amor que me preenche. Sinto que nada faz sentindo, que os dias apenas escorrem por entre meus dedos como água e por mais que eu tente segurar não consigo e esses dias ocos apertam meu peito, como se algo pesado estivesse sobre mim, me sufocando em  meu próprio ser incompleto. As noites frias e estreladas me remetem àquele tempo em que éramos um do outro, onde eu cabia em seu abraço e você se encaixava no meu beijo e nossos corpos se entrelaçavam feito tranças. Aquele tempo me deixou marcas por debaixo da pele, me deixou cicatrizes invisíveis e ânsia de rasgar minhas barreiras e te encontrar de novo. Essa saudade me ensandece, me corrói por dentro, carcomendo cada párticula do meu corpo, se espalhando por cada músculo e atingindo meu coração doído. Meu corpo sozinho não é nada sem o seu, minha vontade não se sacia somente com recordações, meus desejos impuros me queimam a alma. 
Minha alma está corrompida pela lascívia, a cada segundo a vejo arder  nas brasas da perdição. Você é meu pecado mais mortal, mas é um pecado que eu não consigo me abster. E essa abstinência perturbadora é o pior sacrifício que já me foi imposto.


N.

Carta #6


Carta #7

S.


Nos dias da primavera são os que eu mais penso em ti, nos seus beijos doces e no seu corpo cheirando a rosas. Olho para o sol se deitando no horizonte e peço ao vento para me trazer teu cheiro suave. Mergulho em pensamentos das nossas noites de amor, quentes como brasas, enquanto eu te possuía e você me sufocava naquele abraço apertado, arranhava minhas costas e arfava em meus ouvidos. As noites de primavera me levam a esses devaneios luxuriantes e pecaminosos, me fazem sentir o peso da vergonha nos ombros, me atiram no rosto as blasfêmias que tenho dito e as promessas que eu tenho quebrado. Eu não posso te manter em meus pensamentos, não posso te guardar em meu peito, mas a vontade de ter em meus braços mais uma vez é mais forte que qualquer negação. Meu corpo aprendeu a viver colado ao seu, não posso mais viver sozinho, despregado de seu suor e de sua pele lisa. Quero você aqui e quero você longe, minha vida tem se tornado um martírio cada vez mais doloroso por causa desse paradoxo de ter em segredo dentro do coração e tentar te expulsar da minha cabeça.


N.

Carta #8


Carta #9


Carta #10


Carta #11

S. 


Durante meu trabalho na agricultura, à margem do lago sereno, me deparei com a Flor de Lótus. Será o destino me enviando um sinal irônico sobre meu futuro? Será que o simbolismo dessa flor sobre a pureza e renascimento estejam destinados a mim? Eu quero acreditar que sim, pois desejo ardentemente tirar você dos meus pensamentos e apagar de vez todas as memórias luxuriantes que me impregnam. Quero me lavar de sua impureza que se agarra em cada poro meu. Quero me auto-flagelar para arrancar de mim sua constante presença espalhada em meu corpo, que a noite ferve pelas carícias inexistentes e minha pele grita de desejo. Preciso exorcizar meu pudor sádico. Preciso te arrancar de mim.


N.

Carta #12


Carta #13

S.


Depois de certo tempo sem escrever, em meu aposento escuro, na calada da noite, percebi que sua imagem nunca me saiu da mente, fecho os olhos e te contemplo, como se seu semblante estivesse pregado no interior de minha pálpebra e enquanto cerro os olhos com força, tentando fugir de ti, é quando mais te vejo.  Eu me perco em um labirinto de pensamentos, onde cada curva me leva até você, por mais que eu tente me esconder, sua voz ardente ecoa em meu ouvido e em transe me encaminho à sua presença. Se um homem não pode se proteger dentro de sua própria mente, onde mais haverá lugar para fazer refúgio? Meu peito gritante de saudade, desespero e vontade de te ter aqui é um martírio doloroso para o meu corpo vazio que se esqueceu de ser um só. 
Venha até mim em meus devaneios mais profanos, dilacera meu pudor e sacie minha pele sedenta por tua essência impura, que é, porém, a única fonte de sustento para o meu desejo.


N.

Carta #14


Carta #15

S.


A cada dia minha vontade de te possuir aumenta mais, a medida que meu lado são enlouquece aos poucos. Nunca pensei que querer não te querer me doesse tanto, nunca imaginei que o desejo carnal poderia ser insaciável. Eu anseio o não te amar, anseio pelo dia em que meu coração vai bater aliviado e mais leve por não te carregar mais, anseio pela calma em meu desejo avassalador de te ter, tocar e sentir. Meus pensamentos me encolhem diante de minha escolha, me conto mentiras mal elaborados e finjo acreditar nelas. Me corrompo em devaneios sóbrios de você. 
Eu fiz os votos. Os fiz por escolha e o arrependimento me fere como adagas em brasa. Eu dei as costas a quem eu era para tornar quem eu sou, eu decidi recomeçar e afundar o passado no poço mais profundo que existia, mas a escuridão me enganou e esse poço se mostrou ser raso e rapidamente o passado transbordou. 
Não quero seu perdão, não peço compreensão e nem aceitação. Eu quero apenas seguir adiante e apagar tudo o que construímos, mas o que fizemos não pode ser desfeito. Plantamos a semente de um fruto que agora vive entre nós. 
Entenda que meu mundo só é completo com você, mas você é minha ruína.


N.

Carta #16


Carta #17


Carta #18

S.


Dia e noite duelo com o tormento que é ter-te habitando em meu peito e minha mente.
Por mais que eu tente me distrair, lembranças suas se arrastam em minha direção. Ouço sua voz no canto do vento, vejo seu semblante nos raios do sol e sinto seu toque inexistente quando a noite cai e minha pele queima de saudades da sua. Meu coração bate descompassado pela sua ausência. Ele clama pelo seu corpo impuro sobre o meu e suplica por perdão ao mesmo tempo. A minha escolha de não te ter me machuca cada vez mais, é a autoflagelação da minha alma.
Minhas mãos vazias precisam te ter aqui, meus dedos só se encaixam com os seus. Não sei quando tempo ainda suportarei minha existência sem ti, mas eu luto para te esquecer, para te deixar partir e não olhar mais para trás, mas meu coração acostumou-se com a dor. Só vivo para sofrer por ter te deixado e esse sofrimento me tornou o que sou e me envergonha por não viver completamente uma vida nem a outra.


N.

Carta #19


Carta #20


Carta #21


Carta #22

Suzannah


Não me recordo da primeira vez que pensei em ti desde que vim para cá, nem me recordo de quantas outras vezes eu pensei, depois daquela. Finalmente tomei coragem para deixar as palavras escorrerem para o papel e um pouco do peso da minha culpa ser depositado nessa folha. Talvez você não entenda porque eu parti, mas nossa vida juntos não era para acontecer, quebramos regras ao ficarmos juntos e nosso pecado trará ao mundo essa criança que você carrega e que talvez eu nunca venha a conhecer.
Não vou negar que te amei, pois cada momento em que estive em seus braços me senti preenchido pelo calor do amor que queimava dentro do meu peito. Eu te amei, eu ainda amo e é por isso que eu fui embora. Eu parti para proteger você e nosso filho, pois certamente se nosso romance fosse descoberto seria o fim para nós...


Nathaniel

Carta #23

Suzannah


Meus dias se encheram de alegria quando naquele inverno recebi nosso filho aqui, quando pude finalmente ver seu rosto depois de tanto tempo e dar-lhe o abraço que nunca dei. Ele se parece muito contigo, tem seus olhos e você o deu meu nome. Agradeço imensamente por ter me proporcionado essa paz, tirado de mim o peso da dúvida do que poderia ter acontecido a vocês. Ele me contou que vivem bem, que a colheita está cada vez mais próspera. Há algumas coisas que ainda não revelei a ele e fica a critério seu contar ou não. Meu filho se tornou um homem bom, aprendeu um pouco sobre os votos do monastério, mas talvez não entenda o verdadeiro motivo de minha vida aqui, espero que possa dá-lo algumas respostas. 
Ele leva consigo várias cartas que por todos esses anos eu lhe escrevi, leva através delas meu amor e saudade, minha dor e desejo, leva meu perdão. Você é o amor da minha vida e mesmo longe eu nunca vou te esquecer. 


Nathaniel